quarta-feira, 31 de março de 2010

4.2.2. Gilles Clément e as plantas no jardim em movimento

“Cada pedaço de terra pode ser considerado como um pedaço da Terra, cada jardim, como o fragmento de um jardim muito maior, estendendo-se aos limites do planeta”

Gilles Clément, Les Libres Jardins., 1997.




Figura D22. Algumas plantas no primeiro jardim em movimento criado por Gilles Clément, o seu próprio jardim – La Vallée (iniciado em 1977 após a aquisição do seu “pedaço de terra”).
Há cerca de cem anos atrás, Jens Jensen encontrava-se entre os primeiros, e mais importantes paisagistas, a inaugurar uma nova era de concepção ecológica da vegetação e do significado do jardim. Tratava-se, à época, de uma verdadeira revolução de ideais e, mesmo hoje, o seu trabalho conserva uma grande actualidade. No final do século XX, Gilles Clement traz de novo para o jardim uma perspectiva revolucionária face às plantas e à concepção da natureza.

A essência do seu jardim em movimento é a energia. Do átomo ao universo, sem energia, não há movimento. As plantas recebem energia do sol e convertem-na em movimento, crescendo, multiplicando-se, disseminando-se. Elas são a base de uma cadeia complexa de movimentos, de transformações, de metamorfoses. Na natureza nada se perde tudo se transforma (30). Essa é a sua grande força e encanto, a essência da vida perpetuando-se nas transferências contínuas de energia entre átomos, moléculas e corpos (a morte é apenas o recomeço da vida).

Gilles Clément propõe um olhar renovado sobre esta imensa força que anima a natureza. Que ao contrário de ser constantemente contrariada, ela possa fluir juntamente com o jardim. A ordem do jardim em movimento é, pois, uma ordem dinâmica, em que se aceita a transformação, o movimento. Uma ordem oposta à ordem estática até aqui idealizada para o jardim, onde se investem todos os esforços para perpetuar a ordem inicialmente estabelecida. Nos jardins de ordem estática também existe necessariamente movimento – sem ele não há vida –, as plantas crescem, nalguns casos é-lhes permitido que se multipliquem (em geral de forma controlada) e transformam-se no decurso das estações, mas apenas são aceites os movimentos previstos, aqueles que se coordenam com o desenho predeterminado do jardim. No jardim em movimento pretende-se justamente o oposto: promover o movimento imprevisto. Num jardim de ordem estática uma planta fora do sítio cria desordem. Num jardim de ordem dinâmica o que cria desordem é a interrupção da evolução de uma nova ordem (como seja eliminar a planta) (CLÉMENT, 2001) (figuras D23).

(30) Algo que conhecemos do Primeiro Princípio Fundamental da Termodinâmica – o principio geral de conservação da energia (PEIXOTO, 1993).

Figuras D23. Nas palavras de Gilles Clément (1997) “a natureza não cria banalidades”, a sua beleza é audaz. À esquerda uma planta imprevista, à qual se junta a imprevista toupeira “esse pequeno actor da paisagem” (31), irrompem no jardim transformando a sua ordem. À direita o artifício humano junta-se à magia da natureza, criando apoio a um ramo caído de onde brota de novo a vida.

(31) Cf. Clément, Gilles, Les Libres Jardins, Éditions du Chêne, Paris, 1997, p.17.

Para Gilles Clement (2001), uma obra quando terminada está morta. Por isso fascína-o particularmente a erva (32) (“a erva verdadeira, não o relvado” (33)), as suas transformações rápidas e contínuas no tempo e no espaço. “Os homens viajaram, as plantas viajaram com eles” (34). Muitas evadiram-se dos jardins, levadas pelo vento, pelos animais, pelas máquinas, e são hoje vagabundas (35) das paisagens. Novas paisagens que ainda desconhecemos (36). O investimento de energia do homem no transporte das plantas de uns lugares para os outros deu impulso a toda uma nova ordem que a natureza se encarrega agora de perpectuar e renovar. As plantas vagabundas não se instalam em qualquer lugar, mas apenas onde a natureza determina (pelas condições climáticas, pela natureza do solo, pela abundância ou escassez de água, etc). Assim, as séries florísticas de hoje não são já as mesmas de outrora. Juntam-se-lhes as plantas vagabundas (subespontâneas) com necessidades ecológicas idênticas, que apenas vemos surgir livremente, a par das espécies originais (espontâneas), nos terrenos abandonados (37). Terrenos de eleição para Gilles Clement pôr em prática o seu ideal de jardim em movimento.

Nos baldios, as ervas, as mais vagabundas de todas as plantas, principiam a criação de uma nova ordem onde “a invenção é possivel, o exotismo provável” (38) (figura D24). No final do século XIX profetizava-se o fim dos baldios em consequência do crescimento das populações e da necessidade de uma maior produção de alimentos (CLÉMENT, 2001). A profecia, no entanto, não se cumpriu. Na verdade, o aumento da produção de alimentos concretizou-se por meio de uma maior eficiência agrícola, de modo que hoje a tendência é para que os baldios se multipliquem. Terrenos mais pobres ou inacessíveis, vertentes mais abruptas e de difícil mecanização, parcelas abandonadas simplesmente por não serem rentáveis ou porque aqueles que as cultivavam preferiram tentar a sua sorte na cidade, são hoje deixadas à reconquista da natureza. Mas não sem uma grande inquietação.

(32) A obra de Gilles Clément é toda ela impregnada de uma ”poesia das ervas”. O próprio termo erva (herbe) não inclui somente as plantas, mas também toda uma poética, uma ingenuidade campestre, uma memória da infância, um contacto puro e inocente com a natureza, que é parte integrante da filosofia do jardim em movimento. Por esta razão, recorremos ao termo – erva – nesta mesma acepção.
(33) Cf. Clément, Gilles, Les Libres Jardins, Éditions du Chêne, Paris, 1997, p.10.
(34) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p.10.
(35) Na obra de Gilles Clément é introduzido este novo conceito de plantas vagabundas (do francês, plantes vagabondes) , um conceito que alude ao “movimento” das plantas, isto é, à sua mudança de lugar operada pela sua própria reprodução e disseminação, favorecida, muitas vezes, pelo homem, pelas máquinas, pelo vento, pelos animais, etc.. Assim, quanto mais “móveis” e mais “velozes” são as plantas, ou seja, quanto mais rápidos são os seus ciclos de vida, mais elas são vagabundas.
(36) De facto, o empenho generalizado em impedir a reconquista por parte da natureza ainda não nos deu oportunidade de conhecer as séries florísticas da nova “natureza selvagem”.
(37) O próprio Gilles Clément (2001) faz referência ao carácter único do termo friche (do francês), cujo sentido considera não ser plenamente restituído em nenhuma outra língua. Assim, embora se faça uso das traduções possíveis – terreno abandonado e baldio –, ter-se-á sempre presente o sentido original do termo– friche –, que, de acordo com o mesmo autor, alude não apenas a um terreno mas a toda uma dinâmica vegetal que lhe é própria.
(38) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p.10.





Figura D24. Explosão de cor por entre as ervas anunciando a renovação da vida. As flores, depois as sementes, depois uma vida nova num novo lugar. A estratégia de sobrevivência das ervas inclui uma permanente deslocação, um permanente movimento. São, por isso, as mais vagabundas de todas as plantas.
Nas sociedades desenvolvidas dificilmente se aceita que a natureza recupere aquilo que já lhe havia sido conquistado. E por muitas simpatias que desperte a “causa natural”, as manifestações naturais da natureza, observadas na reconquista de terrenos abandonados pelo homem, são entendidas em geral como uma degradação e recebidas com um sentimento de inaceitável perda de poder e de supremacia sobre a sua força. Por isso, diz Gilles Clément, “nos países menos desenvolvidos o último edifício é motivo de orgulho, em países desenvolvidos a existência de baldios, uma vergonha” (39). Tudo isto é reflexo de uma concepção da natureza por oposição à ideia de civilização. Parecemos não estar preparados (ou dispostos) para acolher a natureza tal como ela de facto é, na sua ordem biológica (figuras D25—D29), mas apenas quando submetida à arquitectura. Esta é, segundo Gilles Clément (2001), a razão para a extrema formalização dos modos de concepção do jardim.

(39) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p.9.

Figura D25. Após o abandono de um terreno, logo surge uma cobertura de herbáceas composta muitas vezes também por espécies reminiscentes das culturas (CLÉMENT, 2001).
Figura D26. Se o solo for de origem agrícola, um a três anos após o abandono do terreno forma-se um prado, caso contrário, surge um pré-prado de briófitas, e só depois um prado (CLÉMENT, 2001).
Figura D27. Num período de três a sete anos o terreno é ocupado por pontuações de espécies arbustivas colonizadoras, sobretudos espinhosas. O que corresponde, de acordo com Gilles Clément (2001), a um estádio de prairie armée (40).

(40) Apesar da designação – prairie armée – este tipo de formação pode não incluir espécies espinhosas. Trata-se sobretudo de uma referência geral a um estádio da sucessão fitossociologia. Dependendo das séries fitossociológicas envolvidas, assim a formação poderá envolver espécies espinhosas (como o tojal, o tojal/tomilhal ou, por vezes, o esteval) ou não (como sucede muitas vezes com o tomilhal, o xaral ou o giestal).

Figura D28. Num período de sete a catorze anos a superfície de pradaria diminui em proveito da floresta. Junto das espinhosas, protegidas dos predadores, nascem e crescem as primeiras grandes árvores (CLÉMENT, 2001).
Figura D29. Após catorze a quarenta anos a sombra das árvores inibe o crescimento dos arbustos que inicialmente as haviam protegido. A floresta, contudo, apenas se desenvolve se as condições do meio lhe forem favoráveis. Em áreas de solos pobres, excesso de água ou demasiado frio, a progressão da sucessão fitossociológica pode ser travada em estádios anteriores (de estratos herbáceos ou arbustivos), que correspondem igualmente ao clímax da sucessão.
Figuras D25-D29. Nestas figuras são apresentados diversos estádios possíveis para o desenvolvimento da vegetação num terreno abandonado. A ordem biológica determina que as plantas se sucedam no espaço até que seja atingido um estado de equilíbrio – clímax – variável consoante as condições edáficas e climáticas. E como na natureza os equilíbrios são dinâmicos, os estados de clímax reciclam-se a si mesmos (CLÉMENT, 2001). No jardim em movimento o clímax é uma visão possível, mas distante quando considerado à escala temporal do jardim (é necessário muitas vezes esperar quarenta anos para que se desenvolva um pequeno bosque num terreno abandonado). Não é, no entanto, necessário esperá-lo. As plantas de um baldio em estado de friche armée permitem de forma bastante imediata criar um jardim (CLÉMENT, 2001).
Um jardim é um lugar de representação da natureza. Sem uma ideia renovada de natureza, não se podem conceber novos jardins. O jardim em movimento pressupõe um olhar renovado sobre a natureza, a incrição do jardim na corrente biológica de cada lugar. No seu interior é aceite a dinâmica da reconquista, do crescimento, do envelhecimento, do desmoronamento, da deslocação, da transformação. Nada há a recear no imprevisto, excepto, talvez, a interrogação: “a vida exclui a nostalgia, não há um passado por vir” (41).

Num jardim, as plantas que aparecem sem aviso transformam o registo das coisas ordinárias relançando a dinâmica da observação (CLÉMENT, 2001). O imprevisto, a novidade, transformam o olhar. Transformam-no num primeiro olhar, único, singular. Por isso Gilles Clément valoriza a décalage, o acontecimento imprevisto no espaço ou no tempo, o aparecimento imprevisto das plantas como forma de renovar a percepção do espaço em torno delas. O acontecimento pode dissipar-se, mas a memória permanece, o olhar transforma-se (figura D30). “Quanto mais a escala é enganadora, quanto mais rápido é o ritmo, maior é a decálage, mais o jardim acelera” (42).

(41) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p.28.
(42) Cf. Clément, Gilles, Ibidem, p.57.










Figura D30. Este caso surpreendente de uma árvore que ao longo do tempo se apoderou de uma bicicleta deixada no bosque, ilustra bem aquilo a que Clément chama de décalage. A memória deste lugar não voltará a ser a mesma no espírito de quem passou pelo bosque, pois o acontecimento imprevisto transforma a memória do espaço.
As ervas, as mais imprevistas de todas a plantas, estão no centro do movimento do jardim. Vagabundas, com uma estratégia de sobrevivência de ciclos curtos, da semente à semente, em constante deslocação. Bienais vagabundas aparecendo inesperadas em qualquer lugar e por isso muitas vezes rejeitadas. Bienais que Gilles Clément considera particularmente interressantes pelas particularidades das suas estruturas vegetativas em roseta (como o Verbascum, o Cirsium, o Heracleum, ou a Salvia sclarea) (figuras D31). Bienais espontâneas tidas em geral como daninhas (como o Verbascum flocosus, a Digitalis purpurea, ou a Euphorbia lathyris) (43). Bienais gigantes, que tranformam por completo as relações de escala no interior do jardim (como o Heracleum mantegazzianum), e muitas, muitas outras vagabundas, de bom grado recebidas no jardim em movimento.

(43) Estas espécies referidas por Gilles Clément são, naturalmente, espontâneas na França.

















Figuras D31. Muitas espécies bienais passam o seu primeiro Inverno em estado de roseta (como é o caso do Verbascum floccosus, apresentado nas imagens). Após meses e meses de imobilidade estas plantas desenvolvem-se subitamente em altura, preparando-se para a floração e frutificação. No termo do seu ciclo elas secam e murcham, renascendo noutros lugares. Existem formas de as forçar a comportarem-se como vivazes, mas tal não significa mais do que priva-las do seu carácter, abdicar da sua dinâmica (CLÉMENT, 2001).
Gilles Clément enfatiza também o papel das vivazes gigantes, plantas mais altas que um homem, destinadas aos “delírios de Verão”, que transformam o jardim numa “floresta de ervas na qual o homem-insecto penetra” (44). Elas trazem ao jardim uma dimensão de labirinto, “constituindo um dos materiais essenciais de distorção do espaço” (45).

O jardim em movimento é exclusivamente vegetal. No seu interior é o modo de vida biológico das ervas (boas e daninhas) a determinar a localização e a forma das massas floridas, e, como estas são sujeitas a uma permanente variação em função das espécies envolvidas e do tempo, a forma do jardim é continuamente transformada (CLÉMENT, 2001). Assim, tal como as plantas desaparecem e reaparecem em lugares imprevistos, também a forma do jardim é imprevista.

Para Gilles Clément o lugar ideal para criar um jardim em movimento é um terreno abandonado, de preferência em que a sucessão fitossociológica tenha já alcançado um estádio de prairie armée (o que, de acordo com Gilles Clemént (2001), demora geralmente entre sete a quatorze anos a suceder). Partindo deste estádio, corresponde a uma total cobertura vegetal do terreno, com pontuações de espécies lenhosas (arbustos nalguns casos espinhosos) e aparecimento das primeiras árvores, a criação do jardim em movimento principia com uma selecção da vegetação presente no terreno. Selecção que recairá sobre algumas espécies arbustivas, árvores, manchas de herbáceas e, eventualmente, vestígios da vegetação associada ao anterior uso do terreno, considerados de maior interesse. O restante é cortado com uma máquina (uma máquina robusta para cortar erva, “a única máquina verdadeira deste jardim” (46)).

As áreas cortadas convertem-se num prado, composto de uma multiplicidade de espécies, por onde se pode circular livremente. Mais tarde, nas zonas onde as plantas tenham terminado o seu ciclo e se apresentem com um aspecto desagradável, é utilizada de novo a máquina de corte, mantendo-se, mais uma vez, as manchas de vegetação de maior interesse que entretanto tenham surgido. Quanto às manchas de herbáceas floridas inicialmente seleccionadas, são agora poupadas em pequenas porções, ainda que murchas e secas, de forma a assegurar a continuidade da sua presença no jardim. Aplicando este método, de supressão e selecção de manchas floridas, a forma do jardim entra em permanente transformação, ao mesmo tempo que se definem novas zonas de circulação.

Deste modo, o jardim em movimento nunca está terminado, a sua manutenção é criativa. Mais ainda, no seu interior é acentuada a dinâmica da sucessão, pois quanto mais frequentes são os cortes, mais estimulados são os ciclos biológicos, o que conduz a uma maior biodiversidade e a uma mais rápida transformação do jardim. Por outro lado, as espécies lenhosas, de ciclos incomparavelmente mais longos, servindo de referência e de contraponto ao movimento, tornam-no ainda mais evidente (figuras D32-D33).

(44) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p.67.
(45) Cf. Clément, Gilles, Ibidem, p.68.
(46) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p.53.















Figuras D32. Nestas imagens de La Vallée, o jardim em movimento de Gilles Clément, uma árvore de tronco pendente, imagem inusual, serve de referência à transformação do espaço. Por ser distinta das outras, esta árvore atrai o olhar, imprimindo ao lugar uma marca, um sinal, uma impressão de permanência por relação à qual a transformação do espaço se torna mais evidente. A árvore permanece, em torno dela as manchas de herbáceas movimentam-se.




Figura D33. Em La Vallée a forma dos arbustos persistentes, talhados em bolas, praticamente não se modifica ao longo do ano. Eles servem por isso de referência ao movimento das plantas vagabundas.


Figura D34. Em La Vallée o jardim em movimento prolonga-se sobre um substrato rochoso. Segundo Gilles Clément (2001), quanto mais pobre é o meio e mais difíceis as condições de sobrevivência, maior é a probabilidade de observar plantas extraordinárias. Pois, só as mais difíceis condições de sobrevivência permitem o aparecimento das verdadeiras pioneiras.
Ao inscrever-se na corrente biológica que anima a natureza (figura D34), o jardim em movimento torna-se extremamente económico de um ponto de vista energético, já que é poupada a energia que haveria de ser gasta ao contraria-la, a par de custos energéticos de manutenção pouco elevados. Para além disto, ele é palco de constantes acréscimos de biomassa, representativos se considerados numa perspectiva ecológica global. O jardim em movimento constitui, por isso, um modelo, ou prótotipo, com potencialidades extensíveis a toda a paisagem, extensíveis ao jardim planetário. Trata-se, no entanto, ainda de um modelo experimental.

No jardim em movimento do Parque André-Citroën, em Paris, aberto ao público em 1993, a dimensão experimental deste jardim torna-se particularmente interessante. Tanto por situar no interior de uma grande cidade, sujeitando-se a uma utilização muito intensa, como por se desconhecem as reacções por parte do público face a um espaço desta natureza, mas, sobretudo, por aqui se levantarem problemas concretos quanto à sua instalação e manutenção. Trata-se, pois, de levar à prática um modelo de jardim que ainda raras vezes se ausentou da utopia.

No local onde foi criado o jardim em movimento do Parque André-Citroen não existia nenhum terreno abandonado em estádio de prairie armée. E como era inviável esperar que a natureza o alcançasse por si, foi necessário iniciar o jardim do princípio, isto é, recriar o estádio desejado da sucessão fitossociológica. Para tal foram instaladas no terreno espécies de lenhosas muito dispersas (como a Parrotia, o Ilex e o Euonymus), manchas alongadas de bambus, algumas espécies de espinhosas (como arbustos e trepadeiras do género Rosa) e três misturas de sementes de herbáceas, todas semeadas em simultâneo.

As espécies lenhosas e espinhosas, e os bambus, “destinados a criar planos de organização legíveis em qualquer estação” (47), formam o essencial da estrutura fixa do jardim, uma estrutura ainda assim muito fluída “com excepção dos azevinhos, destinados a serem talhados em bolas baixas de aparência fixa, afim de melhor fazer aparecer o movimento das herbáceas ao redor” (48).

Quanto às herbáceas, a selecção das diferentes misturas de sementes foi cuidadosamente estudada em função da existência de zonas do terreno com diferentes condições edáficas e diferentes graus de pisoteio. Assim, para as zonas de depressão foram eleitas espécies adaptáveis a habitats mais húmidos, ao passo que, para as zonas mais elevadas e planas, foram escolhidas espécies adaptáveis a habitats mais secos. Do mesmo modo, à mistura destinada a zonas mais secas, mas onde se previu um pisoteio mais intenso, foi adicionada uma percentagem de gramíneas (de 50%), que torna a composição mais resistente a este tipo de condições. Condições que levaram mesmo a que fosse considerada também um mistura composta unicamente por gramíneas, capaz de ocupar as zonas onde o pisoteio é permanente (CLÉMENT, 2001) (figuras D35).

(47) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p. 166.
(48) Cf. Clément, Gilles, Ibidem, p.166.

Figura D35. Plano do jardim em movimento do Parque André-Citröen.
A par dos condicionantes naturais (condições edáficas e climáticas) e funcionais (inerentes à intensa circulação no interior do espaço), na selecção de vegetação para este jardim foram ainda considerados aspectos de ordem estética (associados ao seu desenvolvimento cénico). De facto, da lista de plantas prevista, consta de uma selecção de espécies de folhagem, floração e textura atractivas, em grande parte constituída por espécies exóticas.

Desde o início, o carácter singular e experimental do jardim em movimento determinou que no seu interior o aparecimento e desenvolvimento das plantas fosse cuidadosamente acompanhado (D36-D39). A par das espécies semeadas, outras vieram juntar-se-lhes, por vezes imprevistas, nalguns casos mantidas, noutros suprimidas. Certas espécies pioneiras, características de solos mobilizados, surgiram apenas no período inicial da instalação, desaparecendo depois naturalmente. Para as fazer regressar, aumentando a biodiversidade do jardim, prevêem-se trabalhos periódicos de mobilização do solo em algumas áreas, de modo a favorecer as condições da sua existência.


Figura D36. Abril-Maio de 1992 no jardim em movimento do Parque André-Citröen: floração de Silene acaulis, Calendula officinalis, Eschscholtzia californica e Onopordon acanthium.



Figura D37. Verões de 1992 e 1993 no jardim em movimento do Parque André-Citröen: floração de Oenothera biennis associado a Lathyrus sp..

Figura D38. Verão de 1992 no jardim em movimento do Parque André-Citröen: floração de Verbascum sp. e folhagens de Inula sp..
A transformação da forma do jardim em movimento do Parque André-Citroën é impulsionada quer pelos ciclos biológicos das ervas, quer pela redefinição dos percursos (escolhidos pelos visitantes), quer pela manutenção criativa entregue aos cuidados dos jardineiros. Assim, embora pouco exigente no que respeita ao investimento de tempo e energia (49), a manutenção deste jardim é, no entanto, extremamente exigente quanto à sensibilidade e ao conhecimento. Por esta razão, os jardineiros posteriormente encarregues da sua manutenção e evolução acompanharam desde cedo a instalação do jardim, intervindo no seu arranjo ainda antes da abertura do parque. Para além disto, a direcção do parque encarregou-se ainda de seleccionar aqueles que apresentavam maior motivação por este tipo de trabalho, acedendo em completar a sua formação a respeito do jardim e da sua gestão por um período de dois anos (CLÉMENT, 2001).

“Por vezes rejeitado, frequentemente criticado, sempre citado, o jardim em movimento do Parque André-Citroën apresenta-se como resposta a uma procura implícita de um mundo em busca de reencontrar na natureza uma parte importante da sua existência” (50). Espaço lúdico, ecológico, pedagógico e experimental, o seu devir permanece ainda uma interrogação.

(49) De acordo com Gilles Clément (2001), o dispêndio em tempo e energia necessário à manutenção do jardim em movimento é inferior ao de qualquer outro jardim de superfície idêntica (embora não se possa avaliar ainda em que proporção pelo facto deste tema não ter sido objecto de nenhum estudo sistemático).
(50) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p.161.




Figura D39. Verão de 1993 no jardim em movimento do Parque André-Citröen: começam a surgir os caminhos traçados pelos visitantes.

CAPÍTULO 5 - AS PLANTAS E O TEMPO

Figura E1. Nem a mais sólida grade é forte o suficiente para deter o tempo.
“As plantas gozam, no mais elevado grau, da propriedade de serem instáveis. Elas permanecem vivas e completas enquanto se transformam. Elas sofrem uma mutação constante, criando um desequilíbrio permanente cujo objectivo é a procura de um novo equilíbrio”

William Howard Adams, Roberto Burle Marx: The Unnatural Art of the Garden, 1991.
Um jardim constrói-se na ideia, no espaço e no tempo. As plantas animam-no de vida, sujeitando-o a uma mutação permanente. O jardim respira, cresce e transforma-se. A sua alma é humana mas o seu coração bate ao ritmo da vida das plantas. Os ponteiros do relógio do jardim são as flores, os frutos, as folhas que amarelecem e se tornam castanhas e rubras, as folhas que caem em tapete multicolor para depois surgirem renovadas nas pontas dos ramos. Entretanto, as trepadeiras progridem um pouco mais na sua subida, e os ramos das árvores, que há pouco podíamos tocar com as mãos, erguem-se agora bem alto acima das nossas cabeças. Tudo isto será rápido ou lento consoante as determinações próprias da memória, porém, cada jardim terá sempre o seu tempo, um tempo marcado pelo compasso das vidas que o compõem. Algumas semanas serão bastantes para o crescimento de inúmeras herbáceas. As anuais concluem o seu ciclo num ano, e nesse período terão já mostrado a cor das suas flores. Para as bienais serão necessários dois anos, tempo mais do que suficiente para o desenvolvimento da maioria das herbáceas vivazes. Pelos arbustos terá que se esperar um pouco mais, talvez, três, quatro, cinco, dez anos. Mas serão necessários, em muitos casos, mais de trinta, quarenta anos para que se assista ao pleno desenvolvimento uma árvore. Muito, muito tempo, por relação à duração de uma vida humana.

Mas nem por isso o tempo foi alguma vez obstáculo a que se criassem jardins. Pelo contrário, é a sua vida própria, a sua duração, a sua permanente metamorfose, que faz em grande parte o seu encanto. Depois, no espírito de um criador de jardins, as árvores são desde o início imensas e as suas sombras densas e frescas. O jardim pode estar cheio de flores e ser Primavera e no dia seguinte ser já Outono e depois Inverno. Um Inverno em dia de sol, como a sua luz mais límpida a atravessar a verdura do jardim e dos ramos das árvores despidas e dormentes. O verdadeiro criador de jardins nunca acorda do sonho, ele passeia-se pelas longas áleas do jardim e por entre o canto das folhagens e o perfume das flores, muito antes ainda do jardim ser realidade. Só assim, trespassando o tempo através do pensamento, tantas vezes quantas sejam necessárias para conhecer o jardim na sua diversidade de sensações e de momentos, se torna possível materializá-lo próximo do idealizado. E, ainda assim, por mais perfeita que possa ser a sua idealização, em espaço concreto, o tempo e vida das plantas sempre se encarregarão de lhe imprimir novas qualidades e de revelar novas surpresas, umas vezes agradáveis, outras menos. Através do tempo as plantas continuarão a marcar o compasso do jardim, e se tudo correr pelo melhor, já maduro, ou ainda em desenvolvimento, ele acabará por transpor o limiar da vida do seu criador, que nunca desde o início teve a ilusão de ver um dia a sua obra acabada, excepto no momento em que no seu espírito a concebeu.

5.1. Efemiridade e permanência




Figura E2. No limiar do sonho, Tori Winkler compôs, em 1990, este jardim efémero, prelúdio de uma entrada no bosque. Um tapete de folhas caídas une simbolicamente os dois mundos, e somente uma porta aberta os separa. Metáfora de uma travessia do sonho à realidade, deste jardim, o único vestígio é hoje a imagem fotográfica em que ficou para sempre cristalizado.
Sempre foi assim, sempre o jardim se projectou para atravessar o tempo. O tempo, contudo, mudou. A Revolução Industrial assinala a entrada numa nova fase de aceleração progressiva do tempo até então desconhecida. Na primeira metade do século XX esta aceleração redobra de intensidade, até que, após a Segunda Guerra Mundial, o seu ritmo dispara ao limite, talvez, do comportável (1). Indiferente, a Terra continua a girar em torno do Sol. Ainda podemos assistir ao ocaso e ao amanhecer tal como os nossos antepassados, e as plantas ainda demoram o tempo de antigamente a crescer. Todavia, a vida contemporânea agita-se de uma velocidade desconhecida no passado e de uma subversão absoluta das dimensões da passagem do tempo. É a electricidade tornando indiferentes os dias e as noites, os transportes (automóveis, aviões, metros, TGVs, etc) fazendo com que rapidamente se transponham distâncias ainda há pouco inconcebíveis, as comunicações (cinema, televisão, telefones, satélites, Internet, etc) permitindo que se esteja em toda parte sem sair do lugar. Em suma, a técnica convertendo a vida humana em partícula de uma máquina gigante em permanente movimento.

Assim se transforma o tempo, pois o tempo é movimento e o movimento tempo. Sabemo-lo da física, do senso comum, e de instrumentos como as ampulhetas ou os relógios de ponteiros (hoje substituíveis pelos electrónicos) que medem a passagem do tempo pela descrição de um movimento. As plantas, contudo, em sentido literal, na generalidade dos casos não se movem, elas estão enraizadas (mesmo as plantas em movimento de Gilles Clément só se movem na mesma medida em nós transpomos o tempo, perpetuando-o nas vidas dos nossos filhos para além da fronteira da morte). E o enraizamento é a mais perfeita antítese da vida contemporânea, profundamente desenraizada, em permanente movimento. Os modos de vida contemporâneos exigem rapidez, velocidade, instantaneidade. Algo que dificilmente se compatibiliza com a duração própria do jardim, e que introduz necessariamente uma nova visão face à escolha e ao tratamento da vegetação.

De facto, ao longo do século XX, mas sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, assiste-se a um progressivo desuso de espécies de crescimento lento, como o buxo, o teixo ou as grandes árvores, ao mesmo tempo que, por razões de manutenção, os arbustos, em particular os arbustos de flor, tendem, a par dos relvados e dos prados a tornar-se o material vegetal de mais ampla aplicação. Esta necessidade, de impôr um novo ritmo ao jardim mais ajustado à vida contemporânea, acentua-se ainda mais no final do século, surgindo em força um gosto renovado pelas herbáceas vivazes, muito em particular pelas gramíneas, em composições que tentam harmonizar a funcionalidade, a estética e a ecologia (2). Entretanto, passado o período obscuro, como diz Dantec (1996), da década de sessenta, em que o jardim quase se diluiu por completo na funcionalidade do “espaço verde”, é retomada a arte dos jardins, agora mais necessária, sobretudo em espaço urbano, para acentuar o sentido perdido da passagem e da duração do tempo, e proporcionar espaços de repouso às mentes cada vez mais agitadas e alteradas pelo bulício violento da vida quotidiana. Com a arte dos jardins regressam as espécies de crescimento lento e as formas talhadas, marcas de permanência e de identidade do jardim, às quais se contrapõe a mutação e o movimento. Contudo, em muitos casos (sempre que o orçamento e a técnica o permitem), estas espécies (palmeiras, oliveiras, ciprestes, pinheiros, etc) são transplantadas adultas para o interior do jardim. Sinais do nosso tempo, um tempo que procura vencer o próprio tempo.

Hoje também a instantaneidade integra a linguagem do jardim. Fenómeno que tem certamente algo que ver com o facto de, nalguns jardins contemporâneos, a presença de vegetação, que confere ao jardim a sua duração própria, ser reduzida a plantações mínimas, ou, se quisermos, minimais, no limite, inexistentes ou artificiais. Forma literal, talvez radical, de representar uma ideia de “natureza técnica” ou, de todo, uma “ausência de natureza”, estes jardins foram até há bem pouco totalmente alheios à Tradição Ocidental. E, se bem que possam demonstrar alguma afinidade, pela inexistência de vegetação, com certos jardins Orientais, eles diferenciam-se igualmente destes, pois excluem a vegetação apenas como forma viva, mantendo-a em geral na forma representada. Em estado último, jardins de betão com plantas de plástico, jardins de pedra com plantas de betão, ou quaisquer outros do mesmo tipo que se possam conceber, todos de movimento tendencialmente de “grau zero”, são também sinais do nosso tempo (figuras E3-E4).

(1) É do conhecimento geral que na época contemporânea se tem verificado um aumento das doenças nervosas (Michel Baridon (1998) refere-o a propósito das transformações abruptas das sociedades contemporâneas). Algo a que não é certamente alheia a aceleração generalizada dos modos de vida.
(2) Veja-se a este respeito vários artigos dedicados à utilização de herbáceas vivazes na revista Topos – European Landscape Magazine, nº37, Dez.2001.

Figura E3. O Splice Garden, concebido por de Marta Schwartz em 1986, em Cambridge, Massachusetts é exactamente aquilo que pretende ser: “um monstro” (3). O jardim é estático, as suas plantas são de plástico, as referências a associações vegetais incoerentes (coníferas com palmeiras), e nem mesmo o espaço é uma certeza, pois “as plantas crescem” em lugares inusitados como as paredes. A contradição prolonga-se na combinação, distorção e inversão das linguagens do jardim Renascentista francês e do jardim Zen japonês, com as formas de topiária de ascendência francesa a ocuparem o lugar tradicional das pedras no jardim japonês. É certo que nesta cobertura de um edifício de dezanove andares as condições não eram as mais favoráveis ao crescimento das plantas. Elas eram, todavia, as ideais para que Marta Schwartz levasse à prática a sua intenção de criar “um puzzle visual insolúvel” (4) fazendo referência aos perigos da genética e à possibilidade da criação do “monstro”, referência apropriada às actividades de pesquisa no âmbito da microbiologia do Withead Institute (http://www.marthaschwartz.com/).

(3) Cf. Meyer, Elizabeth K., Martha Schwatz, Transfiguration of the Commonplace, Spacemaker Press, Washington D.C.,1997, p.115.
(4) Cf. Meyer, Elizabeth K., Ibidem, p.115.

Figura E4. No Jardim do Estabelecimento Prisional de King County, em Seattle, Washington, concebido por Marta Schwartz em 1987, as plantas são evocadas por “formas de topiária”, “sebes” e “canteiros” em betão, revestidos a cacos de azulejo. Ao contrário do seu projecto para o Withead Institute, aqui não há quaisquer razões físicas para a inexistência de plantas, e nem mesmo uma alusão directa ao jardim japonês, somente a vontade explicita de cruzar o jardim e a praça num híbrido inerte e imutável.
Mas, ainda antes desta tendência para a suspensão do tempo do jardim pela supressão das plantas, já o desenvolvimento da fotografia e a invenção do cinema haviam anunciado mudanças temporais na sua linguagem. Com a fotografia, surgiam novas perspectivas de cristalização das durações e ritmos próprios do jardim, conferindo-lhe dimensões de instantaneidade e, em simultâneo, de permanência, que lhe eram totalmente estranhas. E se bem que haja um tanto de contraditório em tentar captar por este meio a própria essência efémera dos fenómenos, pois a fotografia transforma o momento numa quase eternidade e congela o movimento, ela é muitas vezes utilizada para tratar estes problemas, em particular na obra artistas de Earth Work e Land Art.

Assim transformado, na época contemporânea o tempo já não é para o jardim somente uma dimensão que lhe é própria pela sua natureza vida, e nem mesmo a medida de um lugar na história, ele é agora um problema em si mesmo, transposto para o jardim como argumento de concepção (algo que transparece claramente no jardim em movimento de Gilles Clément). Problemas complexos, balançando ainda na tentativa contraditória de compatibilizar o ritmo acelerado da vida contemporânea com o ritmo da vida das plantas. Sinais de um tempo em que o jardim tenta reencontrar o seu lugar por entre a efemeridade e a permanência, o ruído e o silêncio, o movimento e o repouso, o sonho e a realidade, o ontem, o hoje e o amanhã (figuras E5-E7).
Figura E5. Poucos jardins serão mais efémeros que o Dew Garden de Chris Parsons. Os seus desenhos abstractos são traçados ainda antes do amanhecer sobre a relva coberta de orvalho. Em três a quatro horas o desenho do jardim terá desvanecido. Porém, é à luz dos primeiros raios de sol da manhã, anunciando que pouco mais persistirá a sua obra, que Parsons lhe vê maior encanto.
Figuras E6. A plantação escultórica de Ash Dome, criada pelo artista de Land Art David Nash, compõe-se de um círculo de vinte e dois freixos forçados a crescer inclinados formando um redemoinho (CERVER, 1996). Esta plantação foi feita em 1977 e demorou entre vinte a trinta anos a alcançar a maturidade. Durante todo esse tempo, David Nash acompanhou o seu desenvolvimento, como aliás faz com todas as suas obras (para as quais estipula contratos de acompanhamento que vão até aos trina anos), pois, a acção do tempo é, em si mesma, um dos componentes essenciais do seu trabalho. Nash pretende com este tipo de intervenções “comprometer-se com os elementos (terra, ar, água e fogo) em vez de lutar contra eles” (5), exaltando de forma simbólica a força da natureza (http://www.sculpture.org.uk/artists/DavidNash/).

(5) Cf. Cerver, Francisco Asensio, Landscape Architecture, the world of environmental design, 01, Atrium international, Barcelona, Espanha, 1996, p.130.
Figuras E7. Neste jardim experimental em Girona, o arquitecto paisagista espanhol Beth Galí propõe-se a avaliar a evolução da vegetação espontânea ao longo do tempo, tomando por contraponto um edifício de arquitectura vanguardista. Pondo em evidência as relações estabelecidas entre “natureza, ambiente construído e ambiente humano” (6), Beth Galí limita-se a observar o processo, admitindo que o próprio tempo, em função das plantas que surgirem no jardim, ditará onde e quando será necessária intervenção humana. Para além da preparação do solo, Galí acrescentou somente a este espaço dois sistemas de fornecimento contínuo de água, que determinam, por si só, o aparecimento de diferentes tipos de vegetação. Entretanto, ao longo do tempo, todas as fases de desenvolvimento e maturação das plantas vão sendo estudadas e acompanhadas.

(6) Cf. Hill, Penelope, “The planting revolution in the modern garden” in Topos – European Landscape Magazine, nº37, Dez.2001, p.51.

CONCLUSÃO

Na atitude face às plantas do jardim exprime-se uma concepção da natureza, uma visão do mundo. Onde as colocamos, se são espontâneas ou exóticas, se há preocupações ecológicas e estéticas na sua escolha e distribuição, que significados lhes são atribuídos, qual a sua poesia e qual a sua função, tudo isto são sinais de uma ideia de natureza representada no jardim. Sinais de que do nosso contacto com as plantas nasce uma história. Ao longo do século XX, uma história agitada de transformações, de novos problemas e de novas inquietações que aos poucos se vão transmitindo ao jardim impregnando as suas plantas.

Assim, com a progressiva complexificação das sociedades, também o tratamento da vegetação agrega cada vez um maior número de componentes. São as próprias dimensões do jardim – pensamento, arte, espaço, ecologia, e tempo – a desdobrar-se sucessivamente em novos desenvolvimentos, em novas variações. Um desenvolvimento fractal de complexidade infinita que transmite às “plantas de hoje” o sentido profundo de uma necessidade de união ao cosmos. Elas são natureza, arte, aprendizagem e identidade. Elas são cada vez mais a imagem de uma vontade de futuro. Um futuro de ordem, de harmonia, de equilíbrio, e de sabedoria. Um futuro em se rompem, por fim, as fronteiras que nos separam da natureza, para reentrarmos na natureza. Um futuro representado no interior do jardim.

Esta é talvez a imagem do jardim do futuro, um jardim em que se não distingue o homem da natureza. Orientação que se esboça já nas experiências e pesquisas que se desenvolveram em torno do jardim no final do século XX – homem e natureza tentando fundir-se num jardim-paisagem. É isto que encontramos em comum em obras tão distintas como, por exemplo, as de Peter Latz, Fernando Caruncho e Gilles Clément. Obras que julgamos deixam abertas algumas das portas do jardim do futuro: a fusão entre a natureza e a técnica; a reinvenção da identidade pela memória; e a inscrição do homem numa nova ordem biológica. As plantas serão certamente a chave para qualquer uma destas portas.

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Todos os artigos on-line foram consultados entre o início de Outubro e o final de Maio de 2003.