quarta-feira, 31 de março de 2010

Para Gilles Clement (2001), uma obra quando terminada está morta. Por isso fascína-o particularmente a erva (32) (“a erva verdadeira, não o relvado” (33)), as suas transformações rápidas e contínuas no tempo e no espaço. “Os homens viajaram, as plantas viajaram com eles” (34). Muitas evadiram-se dos jardins, levadas pelo vento, pelos animais, pelas máquinas, e são hoje vagabundas (35) das paisagens. Novas paisagens que ainda desconhecemos (36). O investimento de energia do homem no transporte das plantas de uns lugares para os outros deu impulso a toda uma nova ordem que a natureza se encarrega agora de perpectuar e renovar. As plantas vagabundas não se instalam em qualquer lugar, mas apenas onde a natureza determina (pelas condições climáticas, pela natureza do solo, pela abundância ou escassez de água, etc). Assim, as séries florísticas de hoje não são já as mesmas de outrora. Juntam-se-lhes as plantas vagabundas (subespontâneas) com necessidades ecológicas idênticas, que apenas vemos surgir livremente, a par das espécies originais (espontâneas), nos terrenos abandonados (37). Terrenos de eleição para Gilles Clement pôr em prática o seu ideal de jardim em movimento.

Nos baldios, as ervas, as mais vagabundas de todas as plantas, principiam a criação de uma nova ordem onde “a invenção é possivel, o exotismo provável” (38) (figura D24). No final do século XIX profetizava-se o fim dos baldios em consequência do crescimento das populações e da necessidade de uma maior produção de alimentos (CLÉMENT, 2001). A profecia, no entanto, não se cumpriu. Na verdade, o aumento da produção de alimentos concretizou-se por meio de uma maior eficiência agrícola, de modo que hoje a tendência é para que os baldios se multipliquem. Terrenos mais pobres ou inacessíveis, vertentes mais abruptas e de difícil mecanização, parcelas abandonadas simplesmente por não serem rentáveis ou porque aqueles que as cultivavam preferiram tentar a sua sorte na cidade, são hoje deixadas à reconquista da natureza. Mas não sem uma grande inquietação.

(32) A obra de Gilles Clément é toda ela impregnada de uma ”poesia das ervas”. O próprio termo erva (herbe) não inclui somente as plantas, mas também toda uma poética, uma ingenuidade campestre, uma memória da infância, um contacto puro e inocente com a natureza, que é parte integrante da filosofia do jardim em movimento. Por esta razão, recorremos ao termo – erva – nesta mesma acepção.
(33) Cf. Clément, Gilles, Les Libres Jardins, Éditions du Chêne, Paris, 1997, p.10.
(34) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p.10.
(35) Na obra de Gilles Clément é introduzido este novo conceito de plantas vagabundas (do francês, plantes vagabondes) , um conceito que alude ao “movimento” das plantas, isto é, à sua mudança de lugar operada pela sua própria reprodução e disseminação, favorecida, muitas vezes, pelo homem, pelas máquinas, pelo vento, pelos animais, etc.. Assim, quanto mais “móveis” e mais “velozes” são as plantas, ou seja, quanto mais rápidos são os seus ciclos de vida, mais elas são vagabundas.
(36) De facto, o empenho generalizado em impedir a reconquista por parte da natureza ainda não nos deu oportunidade de conhecer as séries florísticas da nova “natureza selvagem”.
(37) O próprio Gilles Clément (2001) faz referência ao carácter único do termo friche (do francês), cujo sentido considera não ser plenamente restituído em nenhuma outra língua. Assim, embora se faça uso das traduções possíveis – terreno abandonado e baldio –, ter-se-á sempre presente o sentido original do termo– friche –, que, de acordo com o mesmo autor, alude não apenas a um terreno mas a toda uma dinâmica vegetal que lhe é própria.
(38) Cf. Clément, Gilles, Le jardin en mouvement, de la Vallée au jardin planétaire, Sens & Tonka, Paris, 2001, p.10.

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