quarta-feira, 31 de março de 2010

Um jardim constrói-se na ideia, no espaço e no tempo. As plantas animam-no de vida, sujeitando-o a uma mutação permanente. O jardim respira, cresce e transforma-se. A sua alma é humana mas o seu coração bate ao ritmo da vida das plantas. Os ponteiros do relógio do jardim são as flores, os frutos, as folhas que amarelecem e se tornam castanhas e rubras, as folhas que caem em tapete multicolor para depois surgirem renovadas nas pontas dos ramos. Entretanto, as trepadeiras progridem um pouco mais na sua subida, e os ramos das árvores, que há pouco podíamos tocar com as mãos, erguem-se agora bem alto acima das nossas cabeças. Tudo isto será rápido ou lento consoante as determinações próprias da memória, porém, cada jardim terá sempre o seu tempo, um tempo marcado pelo compasso das vidas que o compõem. Algumas semanas serão bastantes para o crescimento de inúmeras herbáceas. As anuais concluem o seu ciclo num ano, e nesse período terão já mostrado a cor das suas flores. Para as bienais serão necessários dois anos, tempo mais do que suficiente para o desenvolvimento da maioria das herbáceas vivazes. Pelos arbustos terá que se esperar um pouco mais, talvez, três, quatro, cinco, dez anos. Mas serão necessários, em muitos casos, mais de trinta, quarenta anos para que se assista ao pleno desenvolvimento uma árvore. Muito, muito tempo, por relação à duração de uma vida humana.

Mas nem por isso o tempo foi alguma vez obstáculo a que se criassem jardins. Pelo contrário, é a sua vida própria, a sua duração, a sua permanente metamorfose, que faz em grande parte o seu encanto. Depois, no espírito de um criador de jardins, as árvores são desde o início imensas e as suas sombras densas e frescas. O jardim pode estar cheio de flores e ser Primavera e no dia seguinte ser já Outono e depois Inverno. Um Inverno em dia de sol, como a sua luz mais límpida a atravessar a verdura do jardim e dos ramos das árvores despidas e dormentes. O verdadeiro criador de jardins nunca acorda do sonho, ele passeia-se pelas longas áleas do jardim e por entre o canto das folhagens e o perfume das flores, muito antes ainda do jardim ser realidade. Só assim, trespassando o tempo através do pensamento, tantas vezes quantas sejam necessárias para conhecer o jardim na sua diversidade de sensações e de momentos, se torna possível materializá-lo próximo do idealizado. E, ainda assim, por mais perfeita que possa ser a sua idealização, em espaço concreto, o tempo e vida das plantas sempre se encarregarão de lhe imprimir novas qualidades e de revelar novas surpresas, umas vezes agradáveis, outras menos. Através do tempo as plantas continuarão a marcar o compasso do jardim, e se tudo correr pelo melhor, já maduro, ou ainda em desenvolvimento, ele acabará por transpor o limiar da vida do seu criador, que nunca desde o início teve a ilusão de ver um dia a sua obra acabada, excepto no momento em que no seu espírito a concebeu.

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