terça-feira, 13 de abril de 2010

Após a Segunda Guerra Mundial, em fase de grande conturbação conceptual no que respeita ao jardim e à paisagem, assiste-se igualmente a uma grande conturbação espacial. O que significará tudo isto? Que caímos nas malhas de uma engrenagem de que já não somos capazes de nos libertar, mesmo em pensamento? Certo é que, após Russel Page e Burle Marx, criadores de jardins notáveis que atravessam o período do antes e do após a Segunda Guerra Mundial, poucos foram aqueles que se continuaram a dedicar declaradamente à arte dos jardins.

Como justificar este aparente eclipse de um espaço e de uma ideia que acompanham o homem desde o início dos tempos? É possível que tenha ocorrido uma transformação da ideia de natureza de tal forma profunda, que a sua representação, na origem de espaços inteiramente novos, não nos pareça imediatamente reconhecível como jardim. Tal sucederia se a transformação da nossa ideia de jardim não acompanhasse ao mesmo ritmo a transformação da ideia de natureza, e apenas alguns espíritos mais avisados e melhor informados, fossem capazes de conceber (quer conceptualmente, quer na prática) o jardim do nosso tempo. Com efeito, parece ser esse o caso de alguns jardins contemporâneos assim classificados, onde só com grande esforço e muita ajuda do rótulo conseguimos ver um jardim.

Outra hipótese, é de que se tenha, na época contemporânea, dado continuidade à tendência, já verificada, para a substituição de uma nova acepção da paisagem pela, velha, de jardim (DANTEC, 1996). De facto, um enorme aprofundamento do conhecimento conduziu nas últimas décadas a um nova ideia da paisagem que engloba as suas “realidades materiais, constituídas por elementos geográficos, quer eles sejam naturais como os traços do relevo (...) ou criados pelo homem” (21), “as suas “realidades imateriais” associadas à percepção, do domínio estético, mental e afectivo, e as suas realidades ecológicas e culturais. Pressupondo que a esta acepção se pode associar um conhecimento das leis da paisagem, e que com estas se pretende ordenar a paisagem, a produção de paisagem faz hoje muito mais sentido. Pois não é a paisagem uma produção humana, ainda que inconsciente, fruto da necessidade, gerada pelas leis da paisagem? Fará assim tanta diferença passar de um estado inconsciente de produção de paisagem para um estado consciente? Talvez somente a diferença de um jardim. Isto justificaria que se fale actualmente em jardim planetário, um jardim, tal como a paisagem, originado por meio de uma articulação equilibrada entre o homem e a natureza (esta, por sua vez, baseada na história, no conhecimento da paisagem e na ecologia) prolongando-se por toda a superfície do globo terrestre, entendido agora como espaço fechado, tal como na origem o jardim.

Jardim-paisagem ou paisagem-jardim, a verdade é que estes conceitos se tendem a fundir na época contemporânea sob a designação genérica de “paisagem”. A este respeito Michel Baridon (1998) aponta como “facto muito revelador” a mudança de nome, em 1998, da “revista internacional que conferiu ao jardim o seu estatuto de arte maior” (22) de Journal of Garden History para Studies in the History of Gardens and Designed Landscapes. Quererá isto dizer que o jardim, tal como até agora o entendíamos, se converteu numa curiosidade histórica, e que a sua continuidade futura será assegurada pelas designed landscapes? Talvez. Actualmente subsistem ainda, contudo, vários tipos de jardins de características bastante nítidas. Jardins que representam a natureza tal como ela é, e onde se confunde a representação com o objecto representado, correspondentes aos “pedaços de natureza” preservados da acção humana, “retirados ao espaço comum” (23) e “sujeitos ao controlo e à lei” (24) (como é o caso dos parques naturais) e a outros espaços criados de forma a que a acção humana se torne imperceptível. Jardins de aparência estranha que poderíamos dizer representam uma “natureza técnica” (veja-se por exemplo o caso do Jardim do Aeroporto de Schiphol de Adriaan Geuze ou o Splice Garden de Marta Schwartz). Jardins jardins, jardins de sempre, a que poderíamos chamar tradicionais, que integram a história, a cultura e as características das paisagens locais, representando uma ideia de natureza motivada por um sentimento individual, em estreita ligação, todavia, a uma cultura e região particulares (veja-se por exemplo o caso dos jardins de Sven-Ingvar Andersson, na Dinamarca, os de Piet Oudolf, na Alemanha, ou os de Fernando Caruncho, na Espanha).

(21) Cf. Jean Cabanel in Baridon, Michel. Les Jardins, Éditions Robert Laffont, Paris, 1998, p.1154.
(22) Cf. Baridon, Michel, Les Jardins, Éditions Robert Laffont, Paris, 1998, p.1154.
(23) Cf. Dantec, Jean-Pierre le, Jardins et Paysages, Larousse, Paris, 1996, p.424.
(24) Cf. Dantec, Jean-Pierre le, Ibidem, p.424.

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