terça-feira, 13 de abril de 2010

O termo paisagem surge inicialmente associado à pintura pretendendo significar um “quadro representando um território (pays)” (16). Um pouco mais tarde (em meados do século XVI), converge para a distinção lexical entre território (pays) e paisagem (paysage), manifesta na maioria das línguas ocidentais, uma ideia de paisagem de “território sábio (pays sage)”, expressa já, segundo Alain Roger in Baridon (1998), em Gargantua de Rabelais, sob a designação de “Beauce”. Nesta acepção, a paisagem converte-se num território sujeito a uma elaboração do domínio da arte que, ao ser apreendido visualmente, desperta um sentimento de ordem estética (ROGER in BARIDON, 1998). Ainda paisagem cenário, desde o século XVI ao final do século XVIII, a paisagem é, de acordo com Michel Conan in Baridon (1998), “marcada por uma profunda continuidade cultural” e estreita ligação às artes (pintura, poesia, prosa, música, teatro, ópera). É justamente o desenvolvimento de uma “cultura da paisagem” (17) ou, se quisermos, de um sentimento da paisagem que conduz, no século XVIII, à criação de jardins paisagem (inicialmente na Inglaterra, depois em toda a Europa) (CONAN in BARIDON, 1998). Não se trata ainda de uma produção de paisagem mas de uma forma de representação da natureza (o jardim) que chama a si a relação harmoniosa entre o homem e a natureza (a paisagem). Mas, de facto, por esta altura, torna-se difícil distinguir o objecto (a natureza) da sua forma de representação (o jardim) (CONAN in BARIDON, 1998). Primeiros sintomas de uma crise da arte dos jardins, como afirma Dantec (1996), ou de uma crise, ainda mais grave, da própria ideia de natureza? Somos levados a crer que sem a segunda, não se opera a primeira, ou seja, que sem um sentimento da natureza autêntico não se podem verdadeiramente criar jardins.

Em meados do século XIX, em pleno desenvolvimento das sociedades industriais retorna-se a uma concepção da paisagem puramente visual (CONAN in BARIDON, 1998) e o jardim tenta retomar o seu curso autónomo, mas, desde então, afectado de uma crise profunda. Primeiro porque, com a democratização das sociedades, desaba a tradição aristocrática na qual nasceu e sempre se desenvolveu o jardim, depois porque, em espaço público, os determinismos funcionais e sociais dos urbanistas tendem a dissolvê-lo no “espaço verde” (DANTEC, 1996). Assim, na primeira metade do século XX, o desenvolvimento da arte dos jardins ocorre quase exclusivamente no âmbito da iniciativa privada (DANTEC, 1996). Mas, para além disto, os jardins deste período caracterizam-se por uma procura constante de forma, distinguindo-se principalmente duas tendências: de um lado, uma tendência para uma informalidade reactiva que se opõe à artificialização provocada pela indústria; do outro, uma tendência para a recuperação dos modelos formais anteriores à industrialização. Não será a ideia de natureza representada nestes jardins um protesto? Um manifesto motivado pelo sentimento da natureza de alguns espíritos criativos e amantes das plantas que, de alguma forma, já se encontram apartados das sociedades que integram? Certo é que estes jardins, embora muitas vezes excepcionais, não fundaram nenhuma nova tradição, nenhuma nova imagem que traduza um sentimento colectivo da natureza, semelhante aos que se sucederam até ao período Romântico.

Enquanto o jardim se afunda na mais completa obscuridade, à luz, em boa parte, da Cidade Radiosa, emerge em toda a sua força a acepção moderna (18) da paisagem, agora entendida, segundo Dantec (1996), “não como um dado geográfico ou um “facto bruto”, mas como fenómeno intencional expressivo, a partir de um sítio mais ou menos modelado pela técnica, de uma cultura ou de uma civilização” (19). É nesta acepção que se fundamenta a produção de paisagem, a princípio associada à ideia de um “ajardinamento da paisagem” (20), onde acaba por se diluir quase por completo a ideia de jardim. Assim se faz acompanhar a crise moderna da ideia de jardim por uma crise da ideia de paisagem (DANTEC, 1996). Pois este “ajardinamento da paisagem” não significa senão submeter toda a paisagem às leis de concepção do jardim (leis que não são as da paisagem), ou seja, fazer da paisagem um jardim que nem é bem jardim nem bem paisagem.

(16) Cf. Molinet (1493) citado por Alain Roger in Baridon, Michel, Les Jardins, Éditions Robert Laffont, Paris, 1998, p.1158.
(17) Cf. Michel Conan in Baridon, Michel. Les Jardins, Éditions Robert Laffont, Paris, 1998, p.1160.
(18) Segundo Dantec (1996) a época moderna decorre no período de 1880 a 1960.
(19) Cf. Dantec, Jean-Pierre le, Jardins et Paysages, Larousse, Paris, 1996, p. 320.
(20) Cf. Christopher Tunnard in Dantec, Jean-Pierre le, Jardins et Paysages, Larousse, Paris, 1996, p.387.

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