terça-feira, 13 de abril de 2010

INTRODUÇÃO

A vida do jardim anima-se de uma dupla metamorfose, a metamorfose das plantas e a do pensamento humano. Mistérios permanentes de que captamos apenas algumas imagens fugazes. Ainda assim, nem mesmo uma memória prodigiosa como a de Funes, personagem de ficção de um conto de Jorge Luís Borges, seria suficiente para abarcar toda a sua diversidade. Não é, pois, objectivo deste trabalho levar à exaustão o tema das plantas no jardim do século XX, mas antes criar uma imagem das possibilidades de abordagem que se lhe associam, mais representativas deste período. Trata-se, portanto, sobretudo de um esforço de síntese por meio do qual se tenta, aos poucos, apreender a complexidade e o significado da linguagem vegetal do jardim, mergulhando progressivamente nas suas diferentes dimensões: o pensamento; a arte; o espaço; a ecologia; e o tempo. Dimensões que se vão sobrepondo em camadas para formar um todo que é a imagem global de uma união que julgamos indissolúvel: a das plantas ao jardim.

Enquanto expressão do pensamento, o emprego de vegetação no jardim partilha das mutações que ao longo do tempo sofrem as ideias de natureza e de paisagem, ideias que não é possível dissociar, tanto entre si, como da ideia de jardim. Razão pela qual principiamos este trabalho com uma breve alusão à evolução destes conceitos. Formulada uma ideia de jardim é já possível concebê-lo no espírito, e já feito de plantas certamente. Num segundo momento é a imagem do jardim que surge, e são agora volumes, formas, texturas e cores, a esboçar os seus traços principais. Porém, ainda que se possam apontar alguns princípios para a combinação das plantas, não existem quaisquer fórmulas absolutas que lhes sejam aplicáveis, só da arte pode nascer a beleza da imagem do jardim. Justamente por ser arte, o jardim não se afasta da evolução das restantes artes, em particular das artes visuais, chamando a si, inclusivamente, inúmeros criadores com formação neste âmbito.

Mas o jardim não é apenas imagem, ele é também espaço, um espaço que se percorre, e onde cada uma das suas plantas ocupa um lugar. A arquitectura do jardim, o lugar das suas plantas, a sua estrutura e ordem, é razão de uma das mais controversas problemáticas da arte dos jardins: a da oposição entre modelos formais geométricos e modelos informais naturalistas. Oposição que se tende a dissolver ao longo do século XX, tanto em virtude de uma colaboração mais harmoniosa entre arquitectos e paisagistas, como pela dissolução de uma ideia de artificialidade estritamente associada à forma. Pois, no decurso do século, o jardim transcende a forma, constituindo-se também como dinâmica ecológica. Perspectiva que traz consigo novas atitudes e novas preocupações face à escolha da vegetação: se espontânea, se exótica, ou se uma combinação de ambas.

Tudo isto se desenvolve ao longo do tempo, na história, e no interior de cada jardim. Pois o jardim está vivo, ele transforma-se, respira e cresce. No entanto, o tempo também se transforma. Fenómeno sentido de forma particularmente abrupta ao longo do século XX, em resultado da aceleração generalizada dos modos de vida, que introduz novos problemas à concepção do jardim, em especial no que respeita à compatibilização dos seus ritmos próprios, associados à vida das plantas, com os ritmos acelerados da vida contemporânea.

Para cada uma destas dimensões – pensamento, arte, espaço, ecologia e tempo –, que sempre coexistem em simultâneo em cada jardim, e que aqui se separam em diferentes capítulos apenas por uma questão de método, faz-se breve referência a diversas obras do domínio da arte dos jardins, consideradas representativas por relação aos assuntos tratados. O critério aplicado à sua escolha foi essencialmente o seu carácter inovador no que respeita ao tratamento da vegetação, a sua importância para o desenvolvimento posterior da arte dos jardins e a sua singularidade. Houve ainda, no contexto global do trabalho, alguma preocupação em fazer representar obras associadas a culturas e localizações geográficas distintas. Naturalmente, grandes nomes da arquitectura paisagista do século XX (Geoffrey Jellicoe, Russel Page, Thomas Church, Fletcher Steele, Dan Kiley, Garret Eckbo, John Rose, Jack Wirtz, René Péchère, Dieter Kienast, Kathryn Gustafson, etc.), que teriam certamente muito ainda a acrescentar ao tema tratado – das plantas no jardim do século XX - ficaram excluídos desta selecção. No entanto, o verdadeiro objectivo deste trabalho, não é, como foi já referido, o de fazer uma compilação de formas, mas, pelo contrário, fazer uma síntese, criar uma imagem das possibilidades distintas que ao longo do século se abriram à aplicação da vegetação ao jardim e das quais somos hoje herdeiros.

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