terça-feira, 13 de abril de 2010

Desde a Revolução Industrial a população do globo continua a aumentar e as cidades não param de crescer. O tempo acelera de forma vertiginosa (depois de cinco séculos para passar do leme de cadaste ao navio a vapor, pouco mais de um século bastava para passar ao avião (CHARBONNEAU, 1990). O cinema, o telefone, o automóvel, entram de rompante na vida da cidade, mas os campos continuam a ser os campos, aparentemente imutáveis, e, com eles, repousam as paisagens. É o destino das cidades que maiores preocupações suscita. “Até ao século XIX as cidades cresceram como cresce uma árvore ou um homem. (...) Depois, certo dia , com o progresso da indústria elas explodiram, projectando ao longe, em forma de estrela, a sementeira dos casebres e das multidões, sem que nenhuma muralha desta vez, tenha tido tempo de as reunir” (7). A cidade é agora “uma nebulosa em expansão cujo ritmo ultrapassa o homem; já não é a expressão materializada na pedra de um facto humano, mas uma espécie de catástrofe geológica, um maremoto social, que o pensamento ou a acção humana não conseguem dominar” (8). Um gigante que o homem tenta a custo fazer respirar, chamando em seu auxílio os pulmões da Mãe Natureza. É chegada a altura da criação dos grandes parques, e dos jardins, em clima de intensa prosperidade económica da alta burguesia, retomarem o rumo dos modelos clássicos, rompendo de vez com as fantasias românticas, enquanto os seus criadores se devotam, cada vez com maior afinco, ao urbanismo.

Na verdade, é a mutação e desenvolvimento informe da cidade industrial, o caos urbano, ou mesmo a “morte da cidade”, o berço do urbanismo, e, talvez, a mortalha do jardim, tal como até agora o entendíamos. Pois o jardim é acima de tudo uma criação urbana, seja ele dentro ou fora da urbe. É nas cidades que se estuda o jardim, que se concebe o jardim e, muitas vezes, que se constrói o jardim. É o espírito do citadino que idealiza a natureza. No campo, vive-se a natureza.

Quando a estrutura da cidade ameaça ruir, não há já, porém, tempo para as idealizações da natureza. É preciso abrir de todo as portas da cidade ao “espaço verde”, massa informe de plantas entendidas na medida da sua utilidade e funcionalidade, quer dizer, como unidade de massa por metro quadrado e por habitante. O “espaço verde” está para o jardim tal como o subúrbio está para a cidade. Não é por acaso que é no subúrbio que o “espaço verde” mais prospera. Mas junto ao coração da cidade, menos que amostra amorfa da natureza, ele não é mais do que o triste vestígio de que o coração da cidade parou de bater. Em vão tentaremos reanima-lo à custa de retalhos de “betão verde”, apostos aos restos vomitados no frenesim devorador da construção.

A ideologia do “espaço verde” atinge o auge na década de sessenta, mas é já desde a Segunda Guerra Mundial que a cidade resvala definitivamente para um “derramamento de betão que acaba por engolir várias cidades” (9) e, entretanto, também uma boa parte do campo e das paisagens. Apesar do desenvolvimento industrial e do intenso crescimento das cidades, na primeira metade do século XX as estruturas sociais, políticas e culturais da cidade e do campo não haviam sofrido alterações profundas. Tanto o citadino como o camponês conservavam a sua identidade. Depois, subitamente, anulam-se as distâncias e as diferenças, cidade e campo tendem a fundir-se numa amálgama de espaços indistintos.

É chegado o tempo da televisão, do plástico, da massificação dos transportes individuais, dos hipermercados, dos computadores e dos satélites, mas sobretudo, de tudo o que existe à face do planeta se submeter às leis de mercado (mesmo a natureza, mesmo a guerra), de todas as coisas se converterem em produtos, em bens de consumo. É chegado o tempo da agonia das paisagens, da normalização dos costumes e das consciências, da anulação da identidade, da mais profunda exorcização do espírito dos lugares. “Novos pagãos deambulam em pêlo nas praias – mas é durante as férias. Alguns audaciosos aventuram-se mesmo em jangada pelos oceanos, mas acabam sempre por dizê-lo à televisão” (10). A nossa adoração da natureza, o paganismo contemporâneo, é bem diferente da dos nossos antepassados pagãos. O homem mudou, com ele mudou a natureza.

(7) Cf. Charbonneau, Bernard, O Jardim de Babilónia, Edições Afrontamento, Porto, 1990, pp.39-40.
(8) Cf. Charbonneau, Bernard, Ibidem, p. 40.
(9) Cf. Charbonneau, Bernard, Ibidem, p. 40.
(10) Cf. Charbonneau, Bernard, Ibidem, p.132.

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