terça-feira, 13 de abril de 2010

Por fim, esta parece ser a derradeira ameaça à natureza: o “amor dos homens”. Um amor que inevitavelmente aumentará exponencialmente à medida que se tornar mais escassa a natureza. Perseguida em todos os cantos do planeta restar-lhe-ão apenas alguns pedaços da Terra resguardados a arame farpado da voracidade dos corpos e almas dos homens – os parques e as reservas naturais. Chegar-nos-ão desses “jardins do paraíso” imagens que alimentarão a nossa infinita nostalgia. Mas, para além destes “museus vivos”, a natureza persistirá sempre em nós: a cada vez que abrirmos os olhos, que bocejarmos rendidos pelo cansaço, no riso e no choro, nas corridas das crianças perseguindo as pombas nas praças. E também na força e equilíbrio infinitos do Universo: no brilho das estrelas, na duração dos dias e das noites, na violência dos vulcões e avalanchas – tudo o mais será, na melhor das hipóteses, um jardim, uma representação da natureza.

Há menos de meio século atrás, com a divulgação das primeiras imagens da Terra, principiava uma nova etapa do nosso sentimento da natureza. Perante os nossos olhos assistíamos à conversão de um mundo imenso numa pequena esfera. Sabíamos já que era assim, mas ver é crer. Frágil esfera azul, no nosso imaginário ainda estremecida pela queda das bombas atómicas de 1945. Pequena e frágil esfera mergulhada na imensidão do espaço sideral “que podemos perturbar, desagregar, ferir irremediavelmente” (12). Sabemos doravante que a nossa sorte está ligada à sua e à da fina camada verde que a recobre (BARIDON, 1998).

Em 1961 Yuri Gargarine era o primeiro homem a viajar para o espaço e a ver com os seus olhos a imagem do “planeta azul”, emocionando-se com a sua beleza. Oito anos mais tarde, em 1969, a nave espacial Apolo 11 partia para a Lua. O primeiro homem a pisar a sua superfície, Neil Alden Armstrong, fazia então uma sonante declaração: “é um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade” (13). Talvez por esta altura o homem tenha sido invadido pela esperança de uma futura fuga para o espaço. Mas, entretanto, parecem distantes as perspectivas de sobrevivência para além da esfera protectora da Terra. Eis-nos presos ao “planeta azul” e mergulhados numa vertigem de acontecimentos e previsões inquietantes: a poluição, o esgotamento de recursos, a ameaça nuclear, as transformações do clima e a subversão dos equilíbrios alcançados ao longo da história entre o homem e a natureza. A ecologia atinge então o seu pleno desenvolvimento e uma atenção renovada acerca-se de toda a paisagem.

É chegado o tempo dos grandes temores, das grandes teorias e também das grandes contradições. Na verdade, o sentimento contemporâneo da natureza pouco se distingue daquele que aflorava à alma dos homens aquando da Revolução Industrial, em que o burguês dono da indústria era também o mais aficionado amante da natureza. A única diferença é que hoje o fenómeno se democratizou. De resto, ainda um passo de titã separa as nossas práticas das nossas teorias. Mas, inevitavelmente, o fim da infância humana aproxima-se.

A natureza, a Grande Mãe, concedeu-nos, até há bem pouco, a liberdade de sermos naturais. A liberdade de agirmos espontaneamente de acordo com o nosso instinto de predadores. Até há bem pouco, não fomos senão naturais na nossa relação com a natureza. A lei servia apenas para regular as relações entre os homens. Só no final do século XIX, com os primórdios do movimento de Conservação da Natureza, se começam a esboçar os primeiros traços de um código de conduta do homem para com a natureza. Hoje, um rol interminável de leis protege a natureza, o ambiente e as paisagens. Guardas armados patrulham as reservas de África para proteger do instinto predador violento do homem faminto alguns rinocerontes e elefantes. Na China, a pena para quem abater um tigre é a morte. Mas tudo isto não passa ainda do delírio ecologista de um espírito burguês. Pois todas as portas da natureza se abrem às bolsas mais endinheiradas. A natureza de hoje, tal como nas primeiras sociedades industriais do século XVIII, continua a ser um luxo, apenas diferem um pouco as formas de lhe aceder: antes a cultura e o preço, hoje somente o preço. Há um preço a pagar pela casa no litoral ou pelo campo de golfe na área protegida, um preço a pagar pela estadia num paraíso campestre, outro a pagar pela viagem aos lugares mais belos e intocados da Terra, um preço a pagar pela caça outro pela pele de um animal selvagem. E, claro, são aqueles que poluem e espoliam a natureza mais à vontade, que mais facilmente podem pagar este preço.

(12) Cf. Baridon, Michel, Les Jardins, Éditions Robert Laffont, Paris, 1998, p.1139.
(13) Cf. http://www.aerotechnews.com/starc/1999/Moon/Spec0629Ad.html

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